...

Eu, que nunca tive a vida mansa, canto na ânsia de amansar a vida...

21/03/2019

Buscando leveza
Num dia duro.
Café já morno
E requentado:
Ninguém se importa 
Com a minha solidão.
Além dos papéis
Que preencho de tristeza
Ou das belezas que deixei de ver.

A minha mesmo,
Beleza
Dolorida
E deliciosa
a cada nova descoberta.
Buscando leveza
Em tempos difíceis,
Tempos de medo
E vontade de vingança;
De feridas reabertas à distância
e de caos...

Sabendo dos fardos
Que o mundo nas minhas costas
Não me deixa esquecer,
Sigo cansada
buscando leveza.
Mas
São tantas as pedras,
E as perdas
e penitências
Que me rasgam a pele.
Cada nesga
da minha negra carne
É um grito
Que ninguém ouve

Que tempo é hoje
Mal passado
Com gosto de sangue?
Café requentado
Pão dormido
E azia 

Alguém aí já sentiu
Azia na alma?

Azia na alma

Alguém aí já sentiu 

Azia na alma?
A vida leve que você leva, é o fardo de quem?

02/11/2018

PROCURA-SE


Faz tempo pouco, Esperança enlouqueceu
Rasgou seus vestidos, 
Os sapatos, mergulhou na lama.
Sem sucesso ou fama, emudeceu


Esperança envelheceu
cinquenta anos em cinco
E, num dia de domingo, 
desapareceu.

Há quem diga não ter cura
Há quem diga que morreu
Há ainda os que juram
Travestidos de Esperança
˜A Esperança sou eu”

Esperança não tem pátria
Nem tampouco sobrenome
Tantos falam em seu nome
Se dizem seus procuradores

As igrejas, os pastores
Com seus deuses e louvores
Reivindicam a Esperança 
Como filha, irmã da Fé,
A Justiça se diz mãe
Os senhores têm a guarda
Os patrões, o uniforme, 
Os militares, a farda 
Os bancos, seu capital
Esperança ia mal, 
Não via saída

Me contaram,
Já andava adoecida,
Desolada e iludida,
Pouca gente percebeu. 
Pegou carona no medo
Esperança se perdeu

11/04/2017

Te prometo amor pra durar, 
Tanto, 
 Quanto a espera
Pra conclusão
Da Linha 4 - Amarela.
Formar família
Pra inauguração.
Quem sabe um filho
A cada nova estação!?
Look retrô
Anos 2000
Dando rolê,
Num mês de abril.
Um tour
De Santo Amaro à
Santa Cruz
Também me apraz:
Dez estações
Na Linha Lilás...
Mas aí, ninguém sabe.
Tempo demais, talvez o amor acabe.

13/03/2017

Mulher que sou,
Ferida aberta.
Cada desamor me fez um corte.
Comprimo no meu corpo o pulso forte
De um coração que bate
Acelerado:
Mais medo que amor.
No escuro da noite;
No passo que apressa;
No tapa de posse;
No grito de louca;
Na lei que sufoca;
No amparo que falha;
Na pílula-morte;
Na voz do silêncio;
No padrão que deprime;
Na régua que aperta,
Sufoca, deforma...
Mulher que sou,
Aprendi sobre
Abismos;
Distâncias;
Entrelinhas;
Sobre sangrar,
Sobre sobrar.
Sem ser migalha! Isso não sou!
Mulher que sou,
Na minha forma vasta,
Cabelo crespo
E boca grande,
Também entendi
Que minha existência
não caberia em outra pele.

27/01/2017

Meu corpo é um universo. Um poema denso. 
Tecido, 
dor 
e palavra. 
Há nele o silêncio do verbo negado. E o grito da liberdade, sempre por um tris pra ser. 
Meu corpo tem as marcas de muitos tombos. 
Não é fácil ter equilíbrio quando se tem as pernas tortas e o coração ferido. 
Mas me permiti 
reerguer. 
E ainda que durante anos haja pedaços do meu peito por aí, vou juntando. 
Coração eu tenho mais que dois. 
Neste e em outros planos. 
Tá provado, 
porque eu tô viva.

10/01/2017

Borandar!

Não tenho inglês fluente
Nem sei guardar dinheiro
E quando a boca mente
Difícil fazer crente
Quem sabe ler olhar

Não sei me declarar
Nem quero timoneiro
Meu peito, paradeiro,
Quebrou muita corrente
Por isso ainda teima
Temer alguém que queira
Seu porto atracar
Não sei fazer promessa
Mesmo que ensaie preces
As vezes falta fé pra acreditar
E sei que muitos dizem
"Ter força é preciso".
Mas pra forçar sorriso
Sem ter um bom motivo
Nem vou tentar
Mas ainda sei sonhar
E sei que a nuvem passa
aos poucos, toda graça vai voltar
Vou aprender a prece
a pressa: andando devagar
Ainda temo a morte
Ainda temo o medo
Mas aprendi bem cedo
A não contar com sorte
Nem azar
De onde vim e venho
A vida não dá passe
Pra gente fraquejar
Se hoje é choro o que tenho
Eu vou chorar.
Já tô de pé. E sigo.
E sei quem tá comigo.
Borandar!

O menino infinito (Pro meu irmão, Lucas)

Menino gigante
Partiu no sereno
De repente.
E fez chover no olhar
De toda gente
Que te conheceu.
Menino,
Amou seu violino,
E pôs amor em tudo a que se deu.
Da fé, afeto
De Deus, um teto pra morar.
A música, abrigo.
Nasceu irmão caçula
Mas foi amigo, guru.
Lucão, gordinho, Lu,
Sua falta faz um nó,
Mas sei que está em paz.
Que a falta que nos faz
Nos lembre que aqui jaz
O corpo, não o espírito.
Porque seu coração,
Enorme como tu,
Te fez, mais que eterno, infinito.



O trem da vida não espera ninguém
A certeza dos anos
Não temos
Viver é um risco 
E pouco sabemos
Das tramas do tempo.
Embora haja planos - E haja futuro nas linhas das mãos -
Destino é um vão
Que a vida esconde
No caminho:
Pra que a memória,
Nos seus tropeços,
Defina fins e recomeços
O que é eterno
E o que não.
O tempero da saudade é o sal
da lágrima teimosa.
No peito, um nó. 
Aperta e faz sangrar.

(Pro meu gordinho querido, Lucas. Minhas maiores saudades são duas agora).

27/10/2016

Você que inventa a moda
A notícia
A beleza.
Que cataloga a tristeza 
na sua tese.
Que sobe o morro
na mesma pressa que desce,
num otimismo de quem nunca perdeu nada.
No máximo, a hora do cursinho.
Você, que quando me vê, muda de calçada.
Mas acredita na igualdade.

Que rouba voz na academia
dando aspas como lugar de fala.
Você, que tem cultura e dorme bem. Que tem herança, herói também.
Emprego certo na crise. E dinheiro pro analista. Pro jornal. Pra revista. Tempo pro exercício dialético. Pra ioga. Pra conferir na Vogue o que tá em voga. Que tem poupança para pagar o intercâmbio. Que banca o câmbio. Tem acesso à internet, ao aeroporto. Que se comporta. Fala baixo. Ri contido. Como fruta todo dia. Granola. E feijão. 

Você que questiona a meritocracia, até alguém questionar seu privilégio. Porque aí, não é privilégio. É esforço, mérito...
Conta outra, parça. 
Não há mapa astral 
que dê conta
de explicar
Canalhice
com ascendente
em escrotagem.

09/09/2016

O que eu sinto é tão denso
Quanto a demografia de São Paulo.
Ou da Praia Grande, num feriado prolongado.
Mas sigo, letra a letra,
O silêncio que me morde o peito,
Aqui, do alto dessa timidez ridícula
Sendo poema de interpretação difícil.
Aquariana cheia de vícios
De linguagem e sinais ocultos
Rimando o verso com o avesso
De quem se despe pra se esconder
Moço,
Há amor como há mágoa.
E essa água salgada
Não combina com meu coração nu.
Exposto.
Aposto que já percebeu,
Não é de hoje
seus olhos habitam
Os resquícios de sonhos bonitos
Morando no meu silêncio.

26/08/2016

Pra temperar seu sonho, 
a água quente do cais
o sal do mar da Bahia
Pimenta dedo de moça.
Que o vento doce te roce a face.
E o Sol acenda verão,
Fogo brando,
Mexendo de vez em quando
Com essa realidade morna
De gesto frio e amargura.
Amigo, o medo é amargo.
Brotou na ponta da minha língua. E não me fez bem engolir.
Entre a cura e o remédio. 
Entre a gula e a fome. 
Tem nome pequeno. 
Veneno,
há quem tome mais de uma dose por dia.
Difere da covardia, na grafia e na gravura.
Medo tortura, agonia.
Medo silêncio, soluço.
Não tem pódio.
É azedo.
Seda ainda cedo.
Vaza nas pontas dos dedos.
Faz tremer.
O medo é confuso.
De face difusa,
beijo no terço debaixo da blusa.
Na rua escura, no passo estreito.
Medo que vira ódio,
perfura o peito
e faz plágio da vida tirando dela o prazer.